TRANSITAR

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Local: Paraíba/Rio de Janeiro, Brazil

terça-feira, agosto 29, 2006

Certos Dias


Tem dias em que a gente se sente como quem partiu ou morreu, acho saudável até. O problema é quando os dias viram semanas, meses...
No mundo contemporâneo, com seus dias neobarrocos, a melancolia é mola propulsora de muitas introspecções e buscas tresloucadas para as respostas individuais, buscando, na verdade, respostas para as aflições coletivas. Quanto a isso, cada vez mais acredito que grandes transformações só acontecem a partir de “pequenos” atos de coragem e mudanças particulares.
Mas enfim, num destes momentos, recebi um texto intitulado “A pipoca”, de Rubem Alves. Levei um tempo pra ler, pois, além de ser um texto (mais ou menos) de auto-ajuda, vocês sabem, em momentos assim, tudo o que menos queremos ler é algo que nos faça remexer na ferida já exposta.
Dentre outras coisas o texto afirma:
“Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível”, como por exemplo a feitura deste texto.
“a pipoca é a comida sagrada do Candomblé”, nada mais poético e brasileiro.
“os grãos duros quebra-dentes se transformam em flores brancas e macias, até as crianças podiam comer”
e conclui pra o meu assombro:
“O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.”
Confesso: essa conclusão, não só machucou as feridas já existentes, mas também abriu outras. Sei lá, certo dia um amigo disparou que eu sou “muito sugestionável”, mas não consegui passar por este texto sem marcas pra mim.
Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro."Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.Portanto, chega de ficar culpando o universo ao nosso redor, pelas nossas falhas e faltas, principalmente conosco mesmos. Entremos mais no nosso infinito particular e fiquemos mais perto do fogo!!!
Na beira do abismo é que criamos asas!!!

[Jesus disse: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...] Será?

sexta-feira, agosto 18, 2006

RELIGIÃO E COMPORTAMENTO: REGRAS DE CONDUTA?

De repente uma amiga minha “virou” evangélica. De repente mesmo, sem sobreaviso, de supetão, nunca sequer demonstrou descontentamento algum com a vida. Isso causou em mim um rebuliço sem igual. Sondei os confins de meu eu interior para tentar encontrar o porquê dessa agitação em meu ser, e ainda não consegui achar resposta.
O caso referido: é comum, acontece, aposto até que com algum amigo de vocês já deve ter acontecido isso. Só um dado a mais nessa equação: esta amiga era a última pessoa do mundo que eu imaginaria num culto evangélico, gritando “glória a Deus!”. Mãe solteira, bebe mais do que eu e você juntos, gosta de festas, etc.
Nada demais, não é? Conversões religiosas acontecem, e é isso que a igreja preconiza: não importa sua vida anterior, seus pecados estão perdoados. Mas aqui vai um outro dado, e talvez que esteja aqui a explicação para o meu rebuliço interior: ela continua levando a vida como dantes, no quartel de Abrantes. Freqüenta os cultos da Igreja Universal do Reino de Deus, e logo depois cai na gandaia, como sempre, sexta e sábado sai e chega de manhã em casa.
Nada contra a diversidade – neste caso, diversidade de comportamento. Vida é viver, ser feliz e não fazer mal a ninguém. Mas não estaria aí uma contradição? Não que eu tenha o poder de dizer se algo está certo ou errado, mas não há incoerência nisso? É nisso que me concentro, pois, na incoerência, ou, melhor dizendo, na incompatibilidade do comportamento humano dos tempos hodiernos com as religiões baseadas no cristianismo. Será que é possível levar a vida de hoje seguindo os preceitos das religiões que se baseiam na Bíblia? Como se pode agir de modo diferente ao que é preconizado na Bíblia estando com a consciência límpida e transparente? Transar antes do casamento é permitido aos que seguem a dita religião? Foram tantas as perguntas que um nó foi dado dentro da minha cabeça, e que ainda não desatei.
Reiterando e finalizando: não julgo se um comportamento está certo ou errado; julgo a incompatibilidade do modo de agir com aquilo que é preconizado pela religião. Já não estaríamos no tempo de uma reformulação dessas religiões? Ou continuar-se-á fazendo vista grossa a essa incompatibilidade, até que alguém de dentro delas, e com força para tal, perceba o absurdo que existe nisso?
Tenho mais perguntas, são muitas, mas a falta de mais espaço e respostas que resolvam em mim esta equação, montada pela minha moral, talvez imbecil e atrasada, traz, por vezes, a mim, uma certa angústia. É só isso.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Carnavalização e respeito

Domingo passado, aqui em João Pessoa, fui a uma passeata pelo orgulho gay. Para mim, que não sou homossexual, mas que tenho muitos e grandes amigos (e amigas) que são, significava uma forma de demonstrar o meu respeito pelo movimento.
Admiro muito a coragem e a ousadia que os homossexuais têm de enfrentar a sociedade, tão recheada de preconceitos, para obter o seu espaço (profissional, intelectual, cotidiano). Se essa conquista já é difícil para os que se enquadram nos perfis previamente estabelecidos, imagina para aqueles que têm mais essa barreira para enfrentar...
Mas uma coisa me incomodou muito aquele dia: a falta de respeito que os próprios participantes do movimento têm por si mesmos, ao se fazerem risíveis diante das pessoas que ali estavam para acompanhar a festa.
Não sei se por causa da minha criação, muito tradicional e recheada (de excessos) de seriedade, nunca me acostumei com a idéia de que as pessoas se façam piada diante dos demais. Ainda mais quando estão envolvidas questões tão sérias como a luta por respeito dentro das relações sociais.
Gostaria muito de saber até que ponto esses movimentos são importantes para a aquisição de respeito para as pessoas que pretendem representar. Eu tenho a suspeita de que estão errando na dose.
Carnavalizar a vida é muito bom. Mas não isso não pode gerar a criação de estereótipos. Ouvi coisas absurdas do pessoal que estava assistindo, principalmente de grupos de homens que estavam lá somente para criticar. Me senti agredida. Acho que as pessoas para quem aquelas frases se dirigiam também se sentiram assim, mas fingiram não se importar. O problema está em que, em alguns momentos, a reação dos "agredidos" era se fazerem ainda mais caricatos. É realmente essa a estratégia a ser tomada?
Tenho impressão que, além de alimentar os motivos que dão início às críticas dos que não se importam com o movimento, essas atitudes provocam também entre os próprios homossexuais a criação de um gueto. Uma auto-exclusão. E a partir de agressão fantasiada de carnavalização.
Explico o que disse: a auto-afirmação a partir da imposição dos estereótipos invade também os espaços sociais onde se exige um outro tipo de conduta, por parte de qualquer cidadão, seja ele homo, hetero, branco, negro, homem ou mulher. Ouvi em certo momento o locutor de um trio incentivando os casais a fazerem um "boquete" na areia da praia. Ora... estávamos em Tambaú. Famílias inteiras estavam freqüentando a praia... Não creio que o desrespeito com os demais seja a forma indicada para conseguir respeito.
Acho que o segredo é se fazer digno, é respeitar a si mesmo e aos demais. E pronto. O respeito da sociedade vem como conseqüência.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Ideologia! Eu quero uma pra viver!


Pegando gancho no texto do Jânsen, quero contar que re-assisti, nestes dias, ao filme “Irmão sol, irmã lua” (1972), de Franco Zeffirelli e fiquei me questionando quem são, e se há, exemplos, como o de São Francisco de Assis, a serem seguidos, nos dias de hoje. Bom, para quem não assistiu ao filme: nele são apresentados a vida e os feitos de São Francisco de Assis e Santa Clara, almas gêmeas que viveram o amor ao jeito deles.
A cena mais impactante, sem dúvida, é aquela em que São Francisco se despoja das vestes (retratado por Cândido Portinari, nesta bela pintura), para viver uma vida humilde, toda voltada aos seus “irmãos”, tentando seguir a premissa do Cristo na sua mais íntima essência de sublime peregrino.
Vendo aquela atitude divina, fiquei pensando quantos não entendem ainda hoje a verdadeira mensagem do Cristo (falando para os cristãos, claro). Quantos abriram mão de seus lares confortáveis para se dedicar aos “semelhantes”? Sei da existência das inúmeras missões, ong’s, pastorais, etc e tal, que são formadas por pessoas “desprovidas” deste “apego” aos apelos midiáticos de hoje, mas percebo que, na prática, há tanta hipocrisia! Tanta falsa ideologia!
Percebo isso, por exemplo, no chamado “meio acadêmico” em que muitos “radicais”, enrouquecem suas vozes por discursos que se esvaem com o vento, simplesmente porque estes “radicais” são, na maioria, contraditoriamente ao discurso apregoado “filhinhos de papai” que jamais abririam mão de suas regalias. Assim fica fácil gritar por Justiça e Igualdade!!! (Daí também um dos meus motivos de ser contra a arte dita engajada e panfletária).
Continuando sob a influência do filme, meus pensamentos voaram (sempre voam). Quem são os avatares da humanidade de hoje? Será que nossos ídolos ainda são os mesmos? E o que é pior, por pura falta de opção? Acho que sim. Infelizmente. E não falo num despojamento apenas material, mas de algo que se sobrepõe a tudo isso e une os seres: Amor, palavrinha complicada de se definir, e amor nas diversas manifestações, áreas, campos e espaços.
Em 1988 eu tinha 10 anos e o poeta rebelde Cazuza pedia por uma ideologia. E acho que se tivesse vivo ainda hoje continuaria a lutar por uma, simplesmente porque vivemos num mundo sem ideologias e apenas inúmeros interesses pessoais, e essa carência ideológica entra em choque, constantemente, com nossas ânsias vãs.
Percebo que vivemos como nossos pais, sucumbindo aos padrões, normas, regras... que nos fazem esquecer dos nossos desejos mais íntimos e dos nossos sonhos impossíveis, levando-nos à mediocridade do ordinário.
Imediatamente, ainda no campo cinematográfico, me vem à mente as recentes e marcantes personagens Ennis Del Mar e Jack Twist, do fantástico “Brokeback Mountain”, sucumbindo às convenções sociais e sufocando o que realmente é real: o Amor.
Sei que viver é melhor que sonhar, nem sempre, e que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa, mas uma ideologia sincera não faz mal a ninguém. A verdade é que sempre foi mais fácil esperar que os outros decidam por nós, é mais cômodo caminhar e seguir a canção do que ir contra o vento.
Porém, quero crer que sempre vem vindo no vento cheiro de novas estações.