TRANSITAR

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Local: Paraíba/Rio de Janeiro, Brazil

quarta-feira, março 14, 2007

Viva a (Des)Poesia Sim Não

Mudando um pouco de assunto, sempre me pergunto o porquê de haver um dia específico pra quase tudo. Talvez porque numa sociedade cada vez mais informada, porém cada vez menos instruída e mais desmemoriada como a nossa, tais datas sirvam para a gente não esquecer que pessoas e situações importantes aconteceram (acontecem). Triste não?
Hoje, 14 de março, por exemplo, é o dia da poesia, dia importante para nós que lidamos com a arte da palavra todos os dias, em nossas salas de aula.
Eu queria escrever um texto exaltando o “poder” da poesia, através de teorias e exemplos. Dizer que desde pequeno lia poemas embevecido, mas a verdade é que, quase não tínhamos livros em casa, meus pais não eram (isso mudou) muito afeitos à leitura, e não tive incentivo na escola. No colégio de freiras, onde estudei por 11 anos, as limitações impostas pela moral religiosa, na hora de analisar os poemas, mutilava-os. Tive que “correr por fora”.
Eu queria falar sobre a qualidade(?) das aulas de poesia de hoje. Quando vou dar aula e entrego poemas aos alunos, no mais das vezes, ouço resmungos, fico triste, mas estimulado a mostrá-los que poesia (e arte no geral) não é algo “chato” e distante da realidade de ninguém, ninguém mesmo (hajam vistas as transformações, até mesmo de consciência política e social, realizadas por algumas ONG’s através da arte. No entanto, são situações sempre tidas como periféricas(?) e exceções(?).
Ainda mais difícil que isso, seria conseguir escrever um texto definindo a poesia. São tantos teóricos, poetas, formas, meios e o diabo a quatro, que, mesmo nós que trabalhamos com poesia, ficamos perdidos. Mas acredito que a palavra certa seja exatamente trabalho.
Toda poesia é difícil, tem uma gramática e uma singularidade própria, até porque, conforme Chklovski, a poesia é a singularização dos objetos; já para Augusto de Campos, dentre outras coisas, “poesia é risco”; para Cohen, é desvio; é ainda (trans)piração, para outros; e etc e tal... Pois, se para Bernardo Vilhena “a palavra precisa lança o som à velocidade da luz”, para Arnaldo Antunes, um dos melhores, mais complexos e completos artista do nosso tempo, é “o ouro da palavra, um acidente”.
Foram (são) muitas as transformações (de forma e conteúdo) ao longo do tempo, como a própria evolução(?) do homem. Por exemplo, enquanto Castro Alves - aliás o dia da poesia se confunde com o dia do seu nascimento – exaltava uma “severa Musa, Musa libérrima, audaz”, no Romantismo, Caetano Veloso canta hoje a “musa híbrida, de olho verde e carapinha cúprica.
Acredito que a poesia, entre muitas outras possíveis definições, serve para “lançar mundos no mundo” (Caetano Veloso), mas também para mostrar o óbvio diluído no liquidificador da vida louca vida, como os lúcidos versos “O todo sem a parte não é todo / a parte sem o todo não é parte”, de Gregório de Matos. Há questão mais atual, em tempos de uma vida líquida como a nossa?
É... Na sociedade capitalista, tecnologista e informativa em que vivemos, cada vez mais entendo porque razão Platão expulsou o artista da República.

Por fim, como também sei “que a poesia está para a prosa, assim como o amor está para a amizade”, quero deixar para vocês, meus amigos queridos, de quem estou cheio de saudades, esta frase (ou seria um verso?) do Guimarães Rosa, com esta imagem surrupiada do álbum de Tiago+:

Felicidade se acha é em horinhas de descuido

quinta-feira, março 01, 2007

UM EM VÃO, OUTROS EM VÊM

Tentei impassível adentrar, à praça da alegria, como se ali fosse lugar qualquer por onde se passava pra se chegar a um destino, como antes, na verdade, quando estudante era. Eu pouca gente conhecia, passava indiferente, como agora tentava, e indiferente se me mostravam todos, coisa natural, só mais um que por ali transitava e ia para a próxima aula na sala 511.
Não deu.
Logo que vi aquele povaréu, aquele vozeiral, aquela agitação, lembrei-me que ali não era mais lugar de mim. Havia se cumprido um ciclo, e o que fazer, senão aceitar?
Logo na chegada ao portão principal da universidade, fluxo de pessoas invadindo o campus, livros sob os sovacos e nas mãos, gente andando em grupo, conversando, doeu. Bateu saudade, lembranças de quando assim também fazia. Lembrei-me do primeiro dia, e de tudo o que me esperava, e do desejo de logo cumprir a missão. Sou assim, que fazer? A universidade se renova, senti-me parte do ciclo, fruto que já ficou maduro e foi tirado do pé.
Decidi, por enquanto – assim espero, pois pretendo retornar – distanciar-me daquele mundo, cair no ‘mundo’, enquanto que alguns colegas do curso continuaram numa outra habilitação – francês ou inglês.
Dez anos de universidade (ufa! Muito tempo), eu já não agüentava mais ficar tanto tempo sentado naquelas cadeiras duras de sala de aula. Já era chegada hora de parar com a insanidade de pular de curso em curso, como um macaco se fazendo de homo sapiens, ou o contrário. Como diz a canção, saí, “para ver outras paisagens”: “agora é brincar de viver”.
Em cada rosto conhecido naquela multidão, abraços e apertos de mãos. Saudade de uma conversa mais longa, de contar do dia. Hoje, é um como está? Fazendo o quê? Até logo, que temos aula. Essas coisas. Velocidade, rapidez, tempo a perder.
Logo resolvi o que lá tinha ido fazer, coisa rápida. E às sete horas, eu, tomando o rumo de casa, enquanto, do outro lado da pista, um turbilhão de gente indo para de onde eu saía... Não houve como não sentir ser diferente e solitário naquela caminhada às avessas.
Daí, percebi que a saudade em mim teria abrigo, pelo menos naquela noite. Não dormi naquela noite, como acontece quando revejo meu passado gravado no contato com pessoas de outras datas. O passado me é caro, não luto mais contra isso, sou resistente às mudanças, sei. Saudade das aulas de literatura; das conversas fofocadas sobre professores e colegas; da hora de se arrumar e enfrentar a noite numa sala de aula depois de um dia cheio; saudade até da indiferença de todos da praça da alegria, e de minha indiferença.