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sexta-feira, agosto 10, 2007

Dói em mim saber.

"Os demônios são inúmeros, aparecem nos momentos mais impróprios e geram pânico e terror”. Esta frase atribuída a Ingmar Bergman me fez lembrar uma outra: “Meu maior amigo (ou inimigo) sou eu mesmo”, de Emmanuel.
A morte de um ser querido, por exemplo, é um desses momentos em que “os demônios” nos assombram com maior voracidade. A angústia da impotência é terrível. A certeza da nossa incompetência em lidar com isso dói muito.
Não somos “educados” para a morte, o fracasso, a perda e as sensações afins. Ouvimos sempre que a vida só faz sentido quando há a vitória e a conquista. Os “perdedores” são desinteressantes. Como bem observou o filósofo Walter Benjamin, o fato de termos tirado o funeral de dentro de casa é sintomático para uma sociedade que tenta afastar cada vez mais de perto de si a dor. Para uma sociedade que é cada vez mais “forçada” a mascarar sentimentos e estar de acordo com o padrão.
Adorno agrava isso dizendo que a ausência da “dor”, faz-nos alienados do “real”, portadores de sentimentos rasteiros e volúveis. Aliás, questiona-se muito o que seja esse tal de “real”. Não que se deva fazer existir uma apologia masoquista ao sofrimento, mas a falta do “pensar na vida”, este eterno sucumbir aos apelos da indústria cultural, sem nenhum senso crítico – pois a crítica pressupõe a reflexão, e, conseqüentemente a dor – gera aquilo que se tem chamado de “geração analgésico”.
Psicanalistas dizem que nós estamos revelando uma crescente intolerância à dor e à frustração. Percebo como reflexo ou resultado disso, a busca por alternativas rápidas e descartáveis de prazer. Daí a teoria dos “amores líquidos” exposta por Zygmunt Bauman. A exaltação do aqui e do agora, sem privações. Enfim, muitas são as causas e impensáveis são as conseqüências.
Mas a "morte" é um choque muito cruel de realidade. Acredito sinceramente, como disse Sócrates, que só se morre quando se é esquecido. Mas, apegados que estamos ao físico e à imagem, a ausência do ser amado nos causa dor e sensação de vazio.
Jesus disse: “Na vida terás aflições, mas sedes forte, eu venci o mundo”. Difícil compreender isso quando não conseguimos vencer nem a nós mesmos. Os demônios são a nossa incapacidade diante do invisível e do imprevisível. Precisamos, a cada grão-segundo, (re)aprender a lidar com eles, ou seja, (re)aprender a lidar com nós mesmos, com nossas limitações e nossas qualidades, daí a lúcida afirmação de Emmanuel.

***
Esta semana que antecedeu o dia dos pais, revivi o quanto a vida só vale a pena se for pra ser vivida “junto” de quem amamos. Digo revivi porque já perdi, e ainda agora não superei, alguém muito significativo para mim. Desta vez foi o filho de um amigo muito amado. Quão impotente é nossa vontade de ajudar e de acalentar diante da “perda”!
Este texto é só pra dizer, e diz: NÃO HÁ PERDA, pois não haverá esquecimento.

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E há o dia dos pais. Mais um dia para aquecer as vendas do comércio.
A convivência diária nos leva, por vezes, à cruel automatização dos sentimentos e ações. À cegueira diante do quão é maravilhoso viver junto de quem se ama.
Pelos motivos mais adversos, sempre tive uma relação complicada com meu pai. Felizmente isso tem sido sanado. Quero muito ser pai, talvez na ilusão de fechar feridas, talvez para suprir ausências do passado... Talvez tenha uma visão romântica e distanciada do que realmente seja “ser pai”. O que sei é que sinto falta do abraço dele. Daquele abraço que pouco nos permitimos, mas que sempre desejamos.